Thursday, March 13, 2008

A veia humorística com requintes de distorção e as suas origens.

Sequência (porém não por ordem – quando publicar logo se vê) consagrada ao tópico “Traumas da minha Infância”.

Episódio 1.

Anos 80.
Época obscura, essa.
Carregada de coloridos intensos e descoordenados, de noções de hábitos de vida inconcebíveis nos dias de hoje, como dar mioleira às criancinhas, carradas descomunais de Planta, doses mortíferas de marmelada, iogurtes da Vigor em caixas de plástico quadradas.
Havia 2 únicos canais de televisão, que inspiram as brincadeiras e os desejos dos gaiatos – “Quando crescer quero ser detective e ter um Citroën Dois Cavalos vermelho!”, “Quando crescer, quero ser o Super Homem e usar cuecas vermelhas por cima de umas calças de licra azuis!”, “Quando crescer, quero ser gira como a Bea do Verão Azul, e quero ter maminhas!”, “Quando crescer, quero ter um namorado giro e com caracóis louros, que entre no carro pela janela a uivar que nem um possesso!”
Basicamente, o pessoal não tinha muito que ver na televisão, mas ficava logo com o cérebro aos pulos, e cheio de ideias tipo… parvas.
Até aqui, nada de muito fora do normal. Deve ter sido assim a vida de qualquer criança portuguesa, fosse ela de S. Bartolomeu de Messines ou de Bragança.

Dependendo, é claro, das pessoas que entrassem na vossa vida.

Ora aqui é que entra a senhora minha avó – a famosa (lá no bairro) D. Amélia!
Lá em casa éramos 3 gaiatos: eu (podemos chamar-me, vá, de Marta), o meu irmão (podemos chamá-lo, vá, de Miguel) e o meu primo (podemos chamá-lo, vá, de Filipe). Eu era a mais velha, o meu irmão mais novo quase 2 anos, e o meu primo quase 5. Andávamos sempre juntos.
E todos os Verões fazíamos ou reconstruíamos uma cabana em cima de uma oliveira, no mato ao pé de casa, subtraindo algum material do armário das ferramentas do meu avô.
Mas as coisas não são bem como as vemos na televisão.
Numa tarde quente de Julho, o sol quente a bater-nos nas costas, a luminosidade a cerra-nos os olhos, o zumbido morno das abelhas o único som, além das marteladas decididas, estávamos nós embrenhados na construção do nosso refúgio desse Verão.
Cada um ocupado da tarefa que tinha sido incumbido, estávamos concentrados e algo desligados do mundo.
Pelo menos, o Filipe estava.
Assim, quando o Miguel, que estava no primeiro piso da barraca, no cimo da árvore, lhe pediu o martelo, o Filipe, que estava no chão, de cócoras, a serrar uma tábua sei lá para quê, agarra no martelo e atira para o ar, de costas – tipo como as noivas fazem como bouquet… - SEM OLHAR E SEM VER SE ALGUÉM, DE FACTO, O APANHAVA.
Ora, era previsível o que realmente aconteceu. O Miguel não estava a olhar, não viu o martelo, e não o agarrou. Este bateu na árvore, fez ricochete, e foi acertar em cheio na cabeça do Filipe, que se começou a esvair em sangue.
Fomos aflitos a correr para casa, mas aquilo foi só fogo de artifício. Nem sei como é que saiu tanto sangue de um buraquinho tão pequeno.
Meia hora depois já estávamos de volta ao nosso trabalho, e o Filipe estava pronto para outra, mas agora sem ser parvo, é claro!
Mas o pior ainda estava para vir!
A D. Amélia guardou a camisa ensanguentada.
“Para quê?” – perguntam-se vocês.
Obviamente, para, munida da sua melhor cara de tragédia do naufrágio do Titanic (e é mesmo muito boa, garanto!) e dos seus ais aflitos de mulher provinciana pregar um valente cagaço à mãe do Filipe, quando ela chegasse do trabalho…
Essa é que ia desta para melhor! Pelas cores que lhe passaram pela cara…

Portanto, acreditem!
Há muita coisa que, afinal, tem explicação!

Já agora, não me lembro de alguém dizer, porém, “Quando crescer, quero ser como o Duarte, e o Tó, e o Átila e o Padrinho, e levar valentes coças da Joaninha, e da mulher e da sogra do Duarte”…




1 comment:

India said...

Como diz a nossa Zabete: os eighties nao perdoaram ninguém!!!