Thursday, December 06, 2007

Crónicas da Sombra – relatos da frequência da E.S.E. – Psicose do início da idade adulta.

Capítulo 1 – Setembro de 95 - A minha vida dá uma volta de 360 graus e eu nunca fui muito boa a Matemática. Isto podia dar um programa para a Júlia Pinheiro.

A minha vidinha, enquanto adolescente, foi muito calma. E depois também.
Em suma, exceptuando algumas situações pontuais de loucura e estupidez, é uma alegre pasmaceira.
Ora a Miss Marta, aluna regular do liceu, comportada, assídua, sossegada, com uma agradável média de 13 (é o meu número da sorte…),que se divertia a ler a bibliografia completa do Júlio Dinis e do Eça de Queiroz, que vibrava com as viagens nas férias pelo Portugal histórico (com aquela parte menos positiva de andar sempre com o frango assado atrás e ficar com as mãos besuntadas de molho que mesmo passando por água com sabão custa a sair), que apreciava o seu geladinho caseiro na Havaneza às quartas-feiras à tarde depois das 2 horas de Francês com o assustadoramente medonho e esquizofrénico Professor Astromar, tinha apenas uma ambição: acabar calmamente o 12º ano, ganhar uns trocos nas férias e, em Setembro, agarrar na mochila – que já estava pronta – nos mapas, cadernos de apontamentos e canetas e fazer-se à estrada.
Acontece que, nesta altura, precisamente, surgiu algo de que já me havia, digamos que, esquecido.
As senhoras D. Ana Maria e D. Amélia, minha mãe e avó, respectivamente, “faziam gosto” em ter uma professora na família. Não lhes bastava ter sido eu a primeira pessoa da família a fazer a escolaridade completa toda de seguida. Ainda queriam que fosse para a faculdade.
Por isso, alguns meses antes, lá fiz os exames – na altura, as específicas e a prova de aferição. Ainda recordo com nostalgia e asco o Professor de Literatura a dizer para quem o quisesse ouvir: “Estudem o Torga, que o homem morreu este ano e já não sai há 2 anos!” Não saiu nada de Torga. Saiu a Sophia, que não estudámos nas aulas. Felizmente, há pessoas que lêem virtualmente TUDO o que vem nos livros de estudo. De qualquer forma, as notas foram uma miséria, naquela turma. E nunca mais vi o professor…
Mas, tendo em conta que, nesse ano, o número de alunos que não tinham vaga era consideravelmente maior do que os que os que tinham, não me preocupei muito, visto que as probabilidades de ser colocada numa qualquer universidade perto de casa eram mínimas, e aproveitei as viagens a Lisboa para queimar os últimos cartuchos com o pessoal da turma – o Vlad, a Patrícia, a Sofia, a Lena, o Nuno…
Ainda assim, só escolhi as 3 primeiras hipóteses em Lisboa, para não ter de mentir à minha mãe, mas nas outras 3 explorei a minha tentativa de escapatória: Vila Real de Trás os Montes, Évora e Braga. Não fosse o Chifrudo tecê-las…
O que é certo é que me espalhei ao comprido!
Em Setembro… além de ficar em Lisboa, mais perto de casa… calhei na primeira opção.
Mochila arrumada durante, pelo menos, 5 anos. Bolas.
A primeira coisa que ganhei foi uma infecção urinária.
Por isso, na 2ª semana, quando as minhas coleguinhas (e o único coleguinha da turma, o António) andavam a desfilar todos pintalgados e com sabe-se lá mais o quê em cima dos corpinhos jovens e caloirados, a Marta estava em casa, a meter litradas de chá de barbas de milho para dentro.
Karma…
“Coitadinha da Marta!” – diziam. “Ficou doente com saudades de casa…”
“Não, gente lerda!!” – dizia uma das pessoazitas na minha cabeça (sim, elas já cá estavam nessa altura!) – “Só fiquei em casa porque não tive mesmo hipótese! Por mim, andava aí na rambóia com vocês! Ou em Budapeste, a esta altura!!”
Enfim, 23 caras novas, mais uns quantos professores, e uma escola que parecia parada no tempo – um edifício de 1910 restaurado, cheio de recantos e com janelas enormes!
Era um bom começo.
Durante muito tempo, andei desorientada, mas ao fim de algumas semanas (para mim, foi “muito tempo”!), lá me encaixei com umas malucas que são minhas irmãs até hoje: a Índia e a Mary Shelley!
À conta delas, tenho direito a estadias à borlix na Ilha Terceira e em Celorico da Beira-Gare, visitas históricas guiadas por experts, gastronomia regional para explorar, e uns sobrinhos mesmo fixes para ensinar palavras complicadas e partilhar aventuras – quando crescerem um bocadinho mais, é claro!

Ora deixa lá ver onde é que eu arrumei a mochila…


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